segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Noite Feliz

Eram primas. Não se viam há mais de 20 anos, mas decidiram por um arroubo sentimental impulsionado pela neve de espuma de alguma vitrine do shopping se reunir. Eram uma para a outra a única lembrança da família Souto que um dia havia existido. Fizeram viagens juntas, passaram os verões na praia, ganharam a mesma bicicletinha de cestinha em seu oitavo natal. Hoje tinham seus filhos, suas casas, seus maridos pançudamente iguais e a vontade de retomar um laço que no fundo no fundo estava ali, mas que a correria do dia-a-dia, os compromissos com as crianças, as crises no trabalho, as listas de supermercado foram pouco a pouco deixando de lado. Marisa e Isabella sentiam-se felizes. Finalmente dariam o primeiro passo para ser uma grande família como eram antes. Trocariam presentes e dariam risada como quando saíam juntas do bailinho matinê. Isabella decorou a casa, que por ser maior acomodaria melhor toda família. Marisa traria os doces, Isabella os salgados. Pediram aos filhos adolescentes que se comportassem e fossem gentis com os mais novos primos que iam conhecer. Os maridos trocaram opinião sobre o tinto, elogiaram a comida das duas que ocupadas, serviam o batalhão. Comeram rápido, queriam chegar logo ao melhor da festa: a troca de presentes. Papéis de presente voavam de um lado para o outro da sala, os meninos mostravam uns aos outros o videogame de última geração, o celular com mp5. Os maridos já bêbados discutiam alto sobre o futuro do Corithians. A sala estava repleta de risadas, luzinhas da árvore piscando. Marisa sorriu para Isabella, foram até a árvore de natal e muniram-se de seus presentes.
Isabella: - Pensei muito no que dar para você. Marisa: - Eu também. Quando abriram os presentes, seus olhos não conseguiam esconder a emoção. Marisa segurava um disco na mão - Nossa, nem lembrava disso, nunca mais ouvi Rita Lee, sabia? Peguei um pouco de raiva dela depois dos mutantes. - Jura? Sabe que eu também nunca mais usei esse tipo de flor no cabelo? Engraçado, né? Engraçado...Se abraçaram forte, sabiam que aquele definitivamente seria o último natal dos Souto. O tempo quando tem tempo demais, não volta.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A felicidade

Um dia desses estava sem vontade de escrever e pensei: a culpa é toda da felicidade. Estava em um daqueles raros momentos tranquilos, com sol brilhando lá fora, contemplando sem pensar. Só que depois de dois minutos, senti falta de um pouco de conflito. Quando estou em dúvida, sofro, me questiono, é que sinto a necessidade de escrever, para dividir. As dores de amor, as dúvidas existencias, os problemas são a fonte de quase todas as letras, esculturas, dos filmes.

O que seria da história de Romeu e Julieta se as famílias se adorassem e os dois se casassem e vivessem felizes para sempre? E se Woody Allen fosse um cara bem resolvido, sem neuras, feliz e praticante assíduo de yoga? A felicidade, caro leitor, não gera assunto. Ela é em alguns casos a última página do livro, o último frame de um filme. O que move as histórias e o mundo, são os conflitos, que fazem com que as personagens saiam transformadas ao final de uma jornada. Claro que os momentos felizes, como esse que contei são importantes, mas tenho aprendido a entender que os conflitos nos ensinam, fazem sofrer, sentir, pensar, virar o Darth Vader de uma vez ou decidir ligar o sabre de luz e sair pelo mundo lutando contra o que nos faz mal.

O que defendo aqui, não é a apologia ao sofrimento, muito pelo contrário. Todos, inclusive quem digita essas linhas, queremos ser felizes e buscamos isso a cada dia. O fato é que ser feliz o tempo inteiro não é humano, não é real. Todos temos medos, angústias e maravilhosas imperfeições. Vejo um bocado de gente lutando para mostrar ao mundo o quanto é feliz o tempo inteiro, maquiando os problemas sem olhar para eles, vivendo uma felicidade acrílica e histérica. E aí que tenho vontade de repetir: sem conflitos, não existe história. Sem seus demônios, seus medos, suas preocupações você provavelmente não sairia do lugar. Porque sem conflitos, provávelmente não existiriam nem mesmo os versos tão perfeitos do poeta Vinícius:

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Afonso de Freitas

Uma rua. Onde a chuva desce como rios de lágrimas que lavam as amarguras e a dureza do asfalto.
Uma rua. Onde as distâncias apesar de curtas levam anos para serem percorridas.
Uma rua. Que como um rio de águas turbulentas separa duas margens com uma força intransponível.
Uma rua. Que não se sabe onde começou nem muito menos para onde vai.
Apenas uma rua. E ainda assim, tão complicada.

terça-feira, 20 de julho de 2010

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Estrada

Quando eu era pequena, adorava viajar de noite, ficava vendo as estrelas no céu pelo vidro do carro. Mas tinha uma coisa que me dava muito, mas muito medo: com o escuro da noite, não dava para ver o que vinha pela frente e isso me dava uma angústia maior do que meu coração de sete anos era capaz de suportar. E se viesse um bicho no meio da estrada, uma curva mais fechada? Esse medo me fazia esquecer das estrelas e eu grudava atrás do banco do meu pai, como uma co-pilota silenciosa, que tentava enxergar adiante, me perguntando se ele sentia a mesma angústia que eu. É provável que sim. É difícil não saber o que nos espera lá na frente.E se eu estiver no caminho errado? E se eu não casar com o cara certo? E se aquele plano não for o melhor pra mim? E se, e se, e se? Muito tempo e uma carta de motorista depois, voltei para essa estrada agora no lugar do condutor e me lembrei desse sentimento. Apesar do pouco tempo guiando, liguei o som do carro e fui curtindo a chegada de cada curva, as linhas brancas aparecendo e desaparecendo no chão. Foi tão bom. Pensei que viver é mais ou menos assim, dirigir por uma estrada escura, sinuosa, cheia de curvas, sem a mínima idéia do que vem pela frente. Não dá para antecipar, tem que curtir o céu cheio de estrelas e continuar em frente. Talvez seja por isso mesmo que eu gosto tanto de viajar à noite. Mesmo que às vezes a angústia dos meus sete anos bata num cantinho do peito.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sonho

Essa noite sonhei que o mundo estava acabando. O que não necessariamente é sonho, mas tudo bem. O mais legal da história é que no sonho encontrei uma nave que levaria meus pais e eu, sim, sim, sim, bem egoísta da minha parte, nenhum amigo embarcaria conosco. Agora, o detalhe mais incrível desse sonho é que em meio a tanta catástrofe, minha maior preocupação foi correr para cozinha e preparar uns sanduichinhos de presunto e queijo caso batesse uma fome durante nossa vigem intergalática. Moral da história: cabeça de gordo não muda nunca, nem mesmo quando o mundo está apenas por um fio.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Música pra lembar


Saudades de não sei o quê,
fome de um gosto,
lembrança de um vento gelado no rosto,
uma música que eu ouço,
me lembra do que eu já não sei mais,
de uma dor que ficou para trás
de uma imagem que se apagou
que o tempo insiste em levar
e que eu faço força para não esquecer.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Texto publicado no Blônicas dia 8 de março

Por que hoje eu não vou comemorar

Porque como o índio, ainda é preciso de uma data para que a mulher seja lembrada. Parabéns por quê, posso saber? Por trabalhar igual e ganhar menos do que os homens, ou será pelo meu bom humor diário, apesar dos vídeos de baixaria que os meus colegas insistem em achar hilários? Hoje descobri que até santo google é machista. Pergunte o que ele acha de nós mulheres e você vai dar de cara com a palavra pelada. Juro, terceiro link. Não é fantástico? No embalo da pesquisa me aventurei também pelos sites de citações.
Descobri que aquele escritor que eu amava de paixão na adolescência, não deitou a caneta uma só vez para fazer elogios às mulheres, muito pelo contrário. Filósofos, escritores, políticos, se dois fizeram um comentário positivo, eu juro que foi muito. Separei até uma das pérolas que eu encontrei para vocês: “A mulher não é um génio, é um elemento decorativo. Não tem nada para dizer, mas di-lo tão lindamente”. Não é simplesmente um amor? Esse mundo que nos elogia e presenteia com rosas espinhudas todo dia 8 de março, insiste em pleno 2010 nos mesmos adjetivos: frágil, delicada, volúvel. Sim, afinal em mulher não dá para confiar, é ou não é Adão? Isso sem falar nos anúncios em nossa homenagem. Tenho um leve palpite de que nessa data baixa o espírito Wando nos publicitários: jornais e revistas se enchem de anúncios com marcas de batom, rosas vermelhas e colarzinhos de pérola. Faltou só a calcinha. É amiga, o Dia da Mulher se tornou simplesmente a coisa a mais cafona que existe.
Por isso se você curte, eu respeito. Mas eu me prometi que só vou comemorar no dia em que a gente não precisar mais dessa data para nada, além de uma boa desculpa para jantar fora. Quando o mundo olhar para nós como a letra do Erasmo: fortes, inteligentes, companheiras e não como um penduricalho fútil que gasta sem parar no cheque especial. Porque nós mulheres aguentamos sei lá quantas vezes mais a dor do que o homem, agora bobagem tem limite.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sem titulo

Tem dias que eu me emociono com as coisas mais simples. Ouço a trilha sonora de um filme do Almodovar, recebo um amigo, olho ao redor e percebo que eu estou em casa. Com todos os elementos da minha vida, como no cenario de um filme, cada detalhe em seu lugar, contando em sutilezas a minha historia. Vejo a foto de um amigo que teve neném, leio o titulo de um filme francês: a vida é um longo rio tranquilo. Revejo a minha mae que voltou de viagem, volto do trabalho com uma sensaçao leve. Me emociono por ter a quem amar profundamente. Pego a bicicleta e saio deslizando pelas nuvens paulistanas. Me emociono com a simplicidade das pessoas que eu mais admiro, com o gosto de vinho que aquece a boca devagar. Excesso de alcool? Nao, desta vez eu diria que é de excesso de vida mesmo.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Credibilidade

Andei pensando muito seriamente e formulei uma teoria com base em anos e anos de pesquisa de campo: existem coisas nessa vida capazes de tirar toda e qualquer credibilidade de uma pessoa. Coisas que fazem com que ela ou ele, afinal vergonha alheia não tem preferência de sexo, fique meio ridículo, a ponto de tornar insustentável uma conversa por mais de cinco minutos. Aí vão elas:
- pêlos no nariz e/ ou sobrancelha despenteada. Você contrataria um advogado que economiza numa coisa tão barata quanto uma tesourinha? Eu não.
- Falando em sobrancelha, penso nas pessoas que falam sombrancelha. Idem, não dá. A conversa acaba ali, no "celha".
- Lingua pgesa. É tão difícil de abstrair isso quanto meditar na quadra do Salgueiro. E se você não tomar cuidado, acaba sem querer imitando o fulaninho e soltando alguma palavra tipo muguegada.
- Comida no dente. Pelos mesmos motivos da sobrancelha. Pô, o que é mais barato, tesourinha ou fio dental?
- Zarolhice. Eu sei, eu sei, é sacanagem. Mas não seja hipócrita e concorde comigo.
- Seios tipo Pamela Anderson. Você pode até dizer que é inveja, mas seios muito muito grandes me tiram a concentração e quando percebo, estou conversando com o decote da fulana, o que é bastante constrangedor.

Bem, é essa a teoria. Se você se ofendeu com uma ou todas as alternativas, não se esqueça: trata-se de uma lista feita por uma pessoa que escorregou no banheiro e quebrou dois dentes da frente, ou seja, zero credibilidade para falar dos outros.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A rotina assassina


Não está sobrando muito tempo para escrever. Adoraria, mas na tentantiva de ser patinadora artística, cantora sertajena e jogadora profissional de pôker ao mesmo tempo, não sobra tempo para mais nada. Nem mesmo para escrever sobre a maravilha que é levar uma vida dupla. Por isso a imagem, que como dizem, vale por mil palavras. Pronto, ainda estou no lucro e não abandonei meu velho e não sei se tão bom assim blog.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Transexualismo no mundo animal



Nasceu galinha, mas queria mesmo era ser avestruz.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Reveillon é com um ele ou dois?

Faz tanto tempo que eu não passo por aqui, que sinceramente acho que não sei mais escrever. Se esse blog fosse uma casa, minhas únicas companhias seriam duas baratas andando de um lado para o outro buscando um restinho de texto para devorar. Por falar em casa vazia, final-de-ano, férias, o que nos leva a viagem e consequentemente reveillon, tenho que confessar que sempre achei essa data do dia 31 um pouco estranha, para não dizer que não gosto dela. Existe um preconceito contra pessoas que não gostam de reveillon, sabia? É mais ou menos como se você dissesse que não gosta de sexo. Pois eu não gosto desse dia. Sempre senti uma pressão mundial para que eu me divertisse como se aquela fosse a última noite da minha vida. Achava tudo um absurdo, restaurante cobrando uma taça de champagne e um amendoim pelo preço de um apartamento em Higienópolis. Odiava ter que abraçar um monte de pessoas que eu mal conhecia e branco nunca foi a melhor cor pro meu tom de pele, ou melhor, para ausência de tom na minha pele. Minha sensação sempre foi de esperar Godot e achar que na verdade o reveillon não acontecia de verdade. Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, doi, um! A contagem regressiva parece o lançamento de um foguete que quando chega no céu, se transforma em um pum e acaba. Foi de tanto não gostar das noites de ano-novo que começou a minha sina: todo ano às vinte pra meia-noite me acontecia algo dramático. Em 99 estouraram uma garrafa do melhor champagne, no meu pé. Em 2000, passei um produto nos olhos que me deu uma reação alérgica e me deixou temporariamente cega. Voltei a enxergar só no ano seguinte. Em 2001 me perdi dos meus amigos na praia e passei a virada no escuro pisando em despacho. O que com certamente não me traria sorte no ano seguinte. Na esperança de passar um reveillon em paz, aluguei no ano de 2002 um escafandro que me protegesse de qualquer agressão do acaso. Mas nada aconteceu. Tive uma virada boa, não a melhor da minha vida, nem a pior, como você já deve suspeitar. Pensei nas pessoas que eu amava, fiz planos e bebi. Percebi que eu precisava dessa data tanto quanto o resto da humanidade. Não para fazer dessa noite a melhor de todos os tempos. Mas para poder zerar, ter a sensação de recomeço, para poder acreditar que tudo vai ser melhor e acabar com uma bela ressaca no dia primeiro. Isso para mim é reveillon.