sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Chove


Estava parada no farol, debaixo de um viaduto. Gotas de chuva escorriam pela beira da construção e pingavam no vidro do carro. O entorno era cinza escuro. Era uma noite de quinta-feira e a cidade tinha as suas infelicidades camufladas. Tão escondidas, que a sombra de um capuz preto passou por trás do carro sem ela nem perceber. Estava sozinha, ouvia música na rádio. Sorrateiramente a sombra deslizou e se transformou em um homem parado na janela do passageiro. Ao olhar para o lado, sua barriga gelou e a garganta ficou seca. Um fantasma magro de olhos profundos. Sem pestanejar veio o golpe brutal que quebrou o vidro da janela. Um barulho forte e seco como a própria pancada. O vidro estilhaçado caía aos poucos, enquanto ele sem pensar no próprio braço tentava agarrar a bolsa em cima do banco. Ela assutada gritou de dentro do carro, mas os gritos foram abafados. Ninguém ouviu. Niguém ao redor se mexeu. Apenas ele. Por um momento se olharam nos olhos. Deviam ter a mesma idade. Assustado com o grito ele fugiu correndo, deixou a bolsa e partiu segurando o braço ensanguentado. Desapareceu no escuro. Ela ficou sozinha. Sentia o peito estilhaçado junto com o vidro. Não sentia raiva, nem revolta, apenas tristeza. Por que aquilo foi acontecer? De quem era a culpa nessa história? Era dela, que tinha deixado a bolsa em cima do banco? Era dele? Da desigualdade social? Da sociedade? Dos políticos? Do capitalismo? Da fome? Do desemprego? Da luta pela sobrevivência? Do darwinismo social? De quem? De quem? Tudo isso no tempo de um farol. Abriu, ficou verde, saiu andando, engatou a marcha enquanto secava as lágrimas. Queria que essa história fosse mera ficção, mas não era.

Um comentário:

Lion disse...

isso não é nem um pouco legal... nem como ficção...