quarta-feira, 11 de maio de 2011

Verborragia

Alberto nasceu em uma casa só de mulheres. Por algum mistério da genética os poucos homens da família sempre acabavam morrendo cedo. Com o pai foi assim: não teve quase tempo de aproveitar a chegada do único filho homem, depois de tantas tentativas desesperadas por um varão e sete filhas mulheres.

O pequeno Alberto cresceu rodeado por saiotes: tias, primas, irmãs e vizinhas. Um falatório danado, conversas sobre os folhetins da semana, fofocas do bairro e obviamente muita, mas muita tpm. Durante um bom tempo achavam que ele era mudo, mas faltava simplesmente ao menino a oportunidade de se expressar diante de todo mulherio.

Na adolescência Alberto tentava se soltar no meio de alguma conversa:
- Eu acho que...e logo era interrompido pela tia, pela mãe ou qualquer representante do sexo oposto. Quando finalmente se viu livre e foi para faculdade, Alberto, que agora era só Beto, se apaixonou por uma garota linda, mas uma verdadeira metralhadora verborrágica: as frases ia se emendando, sem que ele achasse uma só brecha para entrar: eu acho que, eu fui, sabe que, outro dia...o coitado só abria a boca se fosse para respirar. Mas ela era tão bonita e um cara como ele nunca iria arrumar outra garota como aquela.

Casaram, tiveram três filhas como predominava a genética dele . E pior: tagarelas igual à mãe. Pobre Alberto, não tinha voz nem mesmo na hora de pedir o sal na mesa. A frase acaba sempre no me pass...

Claro que as meninas pediam a opinião do pai para muita coisa, mas antes que ele pudesse dizer sim ou não, lá vinha a mulher dele, cheia de opiniões. A única solução que Alberto encontrou foi se soltar no trabalho:

- Sabe que eu sou corintiano, mas sempre tive uma simpatia pelo Santos. Uma vez fui pra Santos em 85, achei a cidade tão linda, você conhece? Uma das coisas que eu mais gosto de fazer é viajar. Queria muito ir pro Himalaia, vi um documentário maravilhoso sobre os Sherpas, já ouviu falar neles? É um povo muito interessante, com uma cultura particular. Tenho fascínio também pelos budistas, estou até querendo planejar uma viagem, mas a minha mulher quer ir para Nova Iorque. E as mulheres sempre acabam decidindo. Ao não ser quando elas querem que você decida, porque não querem assumir a responsabilidade, daí meu amigo, é problema, porque depois elas...

E assim segue a conversa por no mínimo 30 minutos ininterruptos, numa explosão de felicidade. O paciente ouve sem poder dar nem um piu, com a boca repleta de algodão, enquanto Alberto continua falando feliz e contente e vai fazendo a obturação na boca do fulano.